Relatos colhidos com
exclusividade pelo jornal O Mossoroense com moradores de rua, do centro da
cidade de Mossoró, dão conta de uma realidade obscura e desconhecida por
muitos, assustadora para quem tem de viver e dormir nas ruas da cidade, onde
impera a “lei do mais forte”, em meio à violência, prostituição e tráfico de
drogas.
Áreas loteadas, pedágio, brigas, humilhação por parte de representantes dos
poderes constituídos, tráfico de drogas, assassinatos e assaltos. Esse é o
dia-a-dia das centenas de pessoas que vivem nas ruas e fazem das calçadas dos
prédios o seu refúgio para dormir.
Entretanto, os moradores de rua, além de enfrentar todos esses problemas ainda
têm de pagar para dormir em determinados locais. O pagamento é feito aos
moradores que se intitulam “donos das ruas” e o dinheiro é usado para consumir
drogas.
A denúncia do pedágio para dormir em determinadas calçadas foi feita por um
morador de rua, que, temendo represália por parte dos “donos da rua”, aceitou
ser identificado apenas como Mazinho Borges, nome pelo qual era conhecido em
sua cidade natal Iguatu (CE), de onde saiu há quase cinco anos para viver em
Mossoró. Ele conta que quando não tem dinheiro dorme em postos de combustíveis,
mais afastados do centro.
“Quando estou com algum dinheiro prefiro pagar uma média de R$ 10,00 para
dormir na rua Coronel Gurgel, na calçada da Caixa Econômica Federal. Lá é menos
perigoso. Tem câmeras de vigilância nos prédios, as lojas que ficam naquele
setor deixam as televisões ligadas e a polícia passa constantemente por lá,
inibindo assim a ação de outros grupos rivais”, explicou.
O denunciante conta ainda que o dinheiro pago aos “donos da rua” é utilizado
para comprar droga, principalmente crack. “Eles passam a noite se drogando,
fumando crack e bebendo cachaça e dizem que nos protegem dos perigos e dos
malfeitores”, conta. Para o morador de rua, as ruas da cidade deveriam ser livres para qualquer
pessoa poder ir e vir, porém ninguém se arrisca a desobedecer às ordens dos
“donos da rua”, sob pena de sofrer algum tipo de represália. “Viver na rua é o
que costumamos chamar de verdadeira ‘lei do cão’”, concluiu Mazinho Borges.
Assim como o cearense, já erradicado nas ruas de Mossoró, o pau-ferrense que
atende pelo nome de “Galego”, 24 anos, conta que teve que viver nas ruas desde
os 16 anos, quando fugiu de uma instituição especializada em atendimento a
menores infratores. Para ele, o grande problema que enfrenta atualmente não é
com a Justiça, pois já prescreveu sua dívida de menor infrator, mas com os
próprios moradores que dividem as ruas com ele.
“Hoje perambulo aqui pelos postos de combustíveis que existem às margens da BR-304,
pois tive de sair das ruas do centro, onde estava sendo ameaçado de morte, por
não ter pago para trabalhar e dormir em determinados locais”, destacou.
O homem conta que chegou a ser espancado por duas vezes pelos companheiros de
rua. “Teve uma vez que fui parar em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) com
uma costela fraturada, de uma surra que tomei. O motivo foi porque não tinha
dinheiro pra comprar droga para uma turma que fica ali nas imediações do
Mercado Central”, destacou.
Problema com loteamento das ruas já causou morte entre
moradores
Um dos principais motivos de desavença entre os moradores
que vivem nas ruas é a busca por espaço para trabalhar e dormir, conforme
relatos dos flanelinhas que vivem e trabalham nas áreas em torno do centro da
cidade de Mossoró. No início do ano, um morador de rua foi esfaqueado e morreu
quando era levado pelo Samu para o Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM).
Depoimentos dos colegas da vítima à polícia, apontam outro morador de rua como
principal acusado do crime e a disputa por espaço nas ruas teria sido o motivo
gerador do crime.
O flanelinha que atende pelo nome de “Despacho” conta que as áreas do centro da
cidade são loteadas e ninguém se arrisca a invadir o espaço do outro. “Quando
alguém tenta invadir o território do outro e tomar a freguesia, pode até
terminar em morte”, disse. O homem conta que trabalha nas imediações do Banco do Brasil, da avenida
Alberto Maranhã, há mais de cinco anos, pastorando e lavando veículos e já
presenciou muitas desavenças entre os colegas.
“Outro dia chegou por aqui um sujeito que dizia ser da Bahia. O cara era
folgado e foi logo entrando no ‘mercado’, os colegas não gostaram e ele
amanheceu todo moído de uma surra grande que levou. Resultado, foi embora de Mossoró
e ninguém mais ouviu falar dele”, concluiu.
Os comandos das polícias militar e civil informaram que brigas entre moradores
de rua existem e sempre que denunciadas são combatidas e investigadas.
“Quando não tenho dinheiro, tenho que transar com eles para
dormir nas calçadas com segurança”, diz moradora de rua
Sem nenhum documento de identificação, a pernambucana Maria
de Lourdes dos Prazeres Silva, que diz ter 30 anos, no entanto com uma
aparência bem mais velha, conta que é viciada em crack e há mais de oito anos
não tem notícias da família, por viver miseravelmente nas ruas de Mossoró.
Ela explica que para dormir com segurança nas calçadas, quando não tem dinheiro
se prostitui para garantir sua dormida. “Tem noite que preciso transar com os
colegas que se dizem ‘donos da rua’. Esse é o preço que pago quando não tenho
dinheiro”, conta a mulher. A equipe de reportagem do O Mossoroense procurou a Secretaria de Ação Social do
município para que essa se pronunciasse a respeito dos problemas que acontecem
diariamente nas ruas da cidade.
Por meio do gerente de comunicação da prefeitura, José Paiva, a reportagem foi
informada que o município não tem conhecimento dos problemas que envolvem
pedágio e loteamento das ruas do centro por parte dos moradores que vivem
nelas, assim como ficou sabendo que oficialmente a cidade de Mossoró só tem 34
moradores de rua, que estão sendo assistidos por programas sociais.
Ainda de acordo com a Gerência de Comunicação, os problemas relacionados com
consumo e tráfico de drogas é de competência da polícia. Mas para as denúncias
feitas por moradores de rua ao jornal O Mossoroense, providências serão
tomadas.
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