quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Eólicas paradas no RN já custam mais do que Arena das Dunas



“Dinheiro na mão é vendaval, é vendaval...” O refrão inicial do samba de Paulinho da Viola poderia muito bem embalar o setor eólico potiguar nos últimos 26 meses. Isso porque muito dinheiro tem sido jogado ao vento por uma geração de energia que, simplesmente, não vem acontecendo. Somente entre julho de 2012 e dezembro de 2013, o Governo Federal desembolsou R$ 444,7 milhões com os 32 parques eólicos do estado que foram finalizados, mas permanecem sem gerar energia devido à falta de linhas de transmissão. Isso é mais que os R$ 423 milhões gastos para a construção da Arena das Dunas.

Governo federal desembolsou quase meio bilhão de reais com energia eólica que não é produzida no Rio Grande do Norte. A maior parte destes parques está localizada na região do Mato Grande – que integra os municípios de João Câmara, Parazinho e Pedra Grande –, e resultam dos leilões de geração de 2009, 2010 e 2011. Juntos, possuem um potencial de produção estimado em 932 megawatts (MW). Desde que ficaram prontos, entretanto, os parques aguardam a finalização de uma linha de transmissão que liga as subestações de João Câmara a Extremoz. Estas unidades controlam o fluxo de energia elétrica.

Por meio da malha e das subestações que a integram, os parques podem conectar a energia produzida ao Sistema Interligado Nacional, que a distribui de norte a sul do país. A obra, que ficou a cargo da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), enfrentou diversos atrasos e percalços na entrega. O cronograma oficial previa a finalização da linha de 230 kV, assim como as subestações de energia em julho de 2012 – o que não foi cumprido. O último prazo divulgado pela companhia foi 21 de fevereiro deste ano.

Nesse ínterim, no entanto, o Governo Federal, por meio do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), precisou ressarcir as empresas pelo tempo que estiveram paradas. As oito empresas que controlam os parques – Gestamp Brasil, Energisa, Copel, Contour Global, Desa, CPFL Energia, Geoconsult e Mercurius – receberam repasses mensais, de acordo com o valor e o montante de energia contratados nos leilões dos quais elas participaram.
O que se chama de “potencial contratado” é a quantidade de MW que o parque se comprometeu em gerar. Por exemplo, uma geradora que venceu o leilão com um valor de R$ 180 por MW/hora e contratou 10.000 MW/ano, recebe R$ 150 mil por mês. 

A obrigatoriedade do pagamento se dá devido à legislação que regia os editais de geração até 2012. Caso as geradoras finalizassem os empreendimentos dentro do cronograma estabelecido por contrato, mas não tivessem como escoar a produção, elas deveriam ser ressarcidas pelo Governo Federal. 

De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), órgão regulador do setor, o país gastou R$ 757 milhões pelas 48 parques que estão parados em todo o território nacional. Os estados com maior número de parques sem produção são o Rio Grande do Norte, com 32, e a Bahia, com 14. 

Segundo Élbia Melo, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), esse repasse às empresas era mais do que necessário ao investidor. “O tempo em que o parque esteve pronto, mas não teve como gerar resulta em um custo para o investidor, gasto esse que não é ressarcido. Você manter um parque parado fica mais caro do que um parque gerando, como acontece com qualquer máquina. Quando você ligar, pode ser que não funcione”, afirma a presidente.

Consumidor paga a conta da ineficiência

Apesar de ser benéfico para o investidor, os repasses às eólicas que nunca geraram também pesa no bolso do consumidor. De acordo com a Aneel, todo gasto com geração de energia é repassado às tarifas dos consumidores finais, inclusive com gastos com a geração que não pôde ser escoada. Os valores são repassados no momento dos reajustes e revisões das tarifas. Atualmente, o consumidor já paga uma tarifa: é a TUST (Tarifa por Uso do Sistema de Transmissão), que funciona como um “pedágio” pago pelos consumidores ao sistema de energia elétrica.

No último reajuste, em 2012, ela passou a custar aproximadamente R$ 1,49 para os consumidores residenciais. Esse “pedágio” já é utilizado para suprir situações como a que o estado passa, alerta o consultor em energia eólica e presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energias (Cerne),  Jean Paul Prates. “Esse valor que é pago é alto, mas não quer dizer que vá aumentar a conta de luz. Já existe uma contingência feita por meio de impostos caros que existem na conta de luz”, ressalta o ex-secretário de desenvolvimento energético do estado.

O ex-presidente da Federação da Indústria do estado (Fiern) e atual vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Azevedo, discorda. Para ele, por mais que não haja repasse direto na conta de energia, este é um custo que está saindo, de uma forma ou de outra, do bolso do consumidor. Um levantamento feito pela Fiern apontou que o potiguar pagou, nesse período sem geração, R$ 240 milhões nas contas de luz.

“Desperdiçamos energia durante dois anos, jogamos dinheiro pela janela. Esse tempo de parques parados não foi benefício nem para as empresas. O nosso prejuízo não foi só economicamente, mas socialmente”, resume Azevedo.

Para o vice-presidente do CNI, um dos principais problemas é a diminuição do emprego e renda que seriam gerados nos pequenos municípios que abrigam os parques. “Os municípios deixam de recolher imposto pela atividade. As empresas também deixam de oferecer empregos que seriam gerados na operação dos parques”, sentencia.

Chesf culpa atraso em licenças e desapropriações

A Chesf não saiu ilesa pelos constantes atrasos. Ainda em 2013, a Aneel editou uma resolução em que suspendia a participação em novos leilões – de geração e transmissão – de empresas que estivessem atrasadas em mais de seis obras já contratadas. A Chesf foi suspensa de participar corporativamente, ou seja, sem parcerias privadas, em novos leilões de transmissão. Além disso, pelos atrasos na entrega da linha de transmissão do RN, foi penalizada pela Aneel: deixou de receber R$ 12 milhões do valor estabelecido no contrato inicial.

A nova previsão é que a LT Extremoz- João Câmara seja energizada no próximo dia 21. De acordo com o diretor de engenharia e construção da Chesf, José Ailton de Lima, esta é a única dívida que a companhia ainda possui com o RN. “A única dívida que temos é com essa linha, que vai atender uns parquezinhos de 30 MW”, afirma. 

O diretor explica que o principal imbróglio na finalização das obras eram as propriedades privadas do estado. “Tivemos muitos problemas com proprietários de terra. Na maioria dos casos eles não queriam ter suas terras ocupadas, pois já tinham outros empreendimentos previstos para a terra. Outros questionavam o valor das indenizações; como o estado está crescendo, eles queriam ver suas terras valorizadas. 

Na maioria dos casos paramos na Justiça, que demorava ainda mais para dar os resultados”, justifica. A Chesf – segue o diretor – não pretende mais investir em pequenas linhas de transmissão no Rio Grande do Norte. Como a companhia está proibida de participar sozinha dos leilões, a realização de uma parceria para participar de pequenos empreendimentos não seria economicamente viável. “Vamos nos abster de participar. Todos gostam de culpar a Chesf, mas vão ver que o problema não é a companhia. 

Qualquer empreendedor privado teria problemas com a Justiça e os proprietários de terra”, afirma. A Companhia fez um levantamento sobre o andamento dos empreendimentos de transmissão de energia no Brasil – incluindo obras de empresas públicas e privadas.

Das 144 obras realizadas até 2009, 57% foram entregues com atraso. O tempo médio de demora na finalização da obra é de 13 meses. A previsão é que, nos próximos leilões de geração, o drama das linhas de transmissão não mais aconteça. Resolução da Aneel do ano passado determinou que os leilões de transmissão sejam realizados antes dos de geração; além disso, nenhuma empresa pode cadastrar um projeto nos leilões de geração se não garantir, por conta própria, que tem como escoar a produção. Ou o investidor constrói a sua própria linha, ou garante que já existe uma próxima ao local da obra, por onde poderá escoar a produção. Já existe um leilão de transmissão marcado para 9 de maio, que sustentará os 12 leilões de geração que estão previstos para ocorrerem também este ano.

Questionado sobre os gastos que o governo federal teve com as eólicas fantasmas, o diretor da Chesf não dissimula. “É claro que o custo disso tudo vai para o consumidor. Você já viu alguma coisa não ser paga pelo contribuinte neste país?”, questiona.

FONTE: NOVO JORNAL - Repórter: Nadjara Martins

Nenhum comentário:

Postar um comentário