Governo federal desembolsou quase meio bilhão de reais com
energia eólica que não é produzida no Rio Grande do Norte. A maior parte destes parques está localizada na região do Mato Grande – que
integra os municípios de João Câmara, Parazinho e Pedra Grande –, e resultam
dos leilões de geração de 2009, 2010 e 2011. Juntos, possuem um potencial de
produção estimado em 932 megawatts (MW). Desde que ficaram prontos, entretanto,
os parques aguardam a finalização de uma linha de transmissão que liga as
subestações de João Câmara a Extremoz. Estas unidades controlam o fluxo de
energia elétrica.
Por meio da malha e das subestações que a integram, os
parques podem conectar a energia produzida ao Sistema Interligado Nacional, que
a distribui de norte a sul do país. A obra, que ficou a cargo da Companhia
Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), enfrentou diversos atrasos e percalços
na entrega. O cronograma oficial previa a finalização da linha de 230 kV, assim
como as subestações de energia em julho de 2012 – o que não foi cumprido. O
último prazo divulgado pela companhia foi 21 de fevereiro deste ano.
Nesse ínterim, no entanto, o Governo Federal, por meio do
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), precisou ressarcir as empresas
pelo tempo que estiveram paradas. As oito empresas que controlam os parques –
Gestamp Brasil, Energisa, Copel, Contour Global, Desa, CPFL Energia, Geoconsult
e Mercurius – receberam repasses mensais, de acordo com o valor e o montante de
energia contratados nos leilões dos quais elas participaram.
O que se chama de “potencial contratado” é a quantidade de
MW que o parque se comprometeu em gerar. Por exemplo, uma geradora que venceu o
leilão com um valor de R$ 180 por MW/hora e contratou 10.000 MW/ano, recebe R$
150 mil por mês.
A obrigatoriedade do pagamento se dá devido à legislação que
regia os editais de geração até 2012. Caso as geradoras finalizassem os
empreendimentos dentro do cronograma estabelecido por contrato, mas não
tivessem como escoar a produção, elas deveriam ser ressarcidas pelo Governo
Federal.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), órgão regulador do setor, o país gastou R$ 757 milhões pelas 48
parques que estão parados em todo o território nacional. Os estados com maior
número de parques sem produção são o Rio Grande do Norte, com 32, e a Bahia,
com 14.
Segundo Élbia Melo, presidente executiva da Associação
Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), esse repasse às empresas era mais do
que necessário ao investidor. “O tempo em que o parque esteve pronto, mas não
teve como gerar resulta em um custo para o investidor, gasto esse que não é
ressarcido. Você manter um parque parado fica mais caro do que um parque
gerando, como acontece com qualquer máquina. Quando você ligar, pode ser que
não funcione”, afirma a presidente.
Consumidor paga a conta da ineficiência
Apesar de ser benéfico para o investidor, os repasses às
eólicas que nunca geraram também pesa no bolso do consumidor. De acordo com a
Aneel, todo gasto com geração de energia é repassado às tarifas dos
consumidores finais, inclusive com gastos com a geração que não pôde ser
escoada. Os valores são repassados no momento dos reajustes e revisões das
tarifas. Atualmente, o consumidor já paga uma tarifa: é a TUST (Tarifa por Uso
do Sistema de Transmissão), que funciona como um “pedágio” pago pelos
consumidores ao sistema de energia elétrica.
No último reajuste, em 2012, ela passou a custar
aproximadamente R$ 1,49 para os consumidores residenciais. Esse “pedágio” já é
utilizado para suprir situações como a que o estado passa, alerta o consultor
em energia eólica e presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e
Energias (Cerne), Jean Paul Prates. “Esse valor que é pago é alto, mas
não quer dizer que vá aumentar a conta de luz. Já existe uma contingência feita
por meio de impostos caros que existem na conta de luz”, ressalta o
ex-secretário de desenvolvimento energético do estado.
O ex-presidente da Federação da Indústria do estado (Fiern)
e atual vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio
Azevedo, discorda. Para ele, por mais que não haja repasse direto na conta de
energia, este é um custo que está saindo, de uma forma ou de outra, do bolso do
consumidor. Um levantamento feito pela Fiern apontou que o potiguar pagou,
nesse período sem geração, R$ 240 milhões nas contas de luz.
“Desperdiçamos energia durante dois anos, jogamos dinheiro
pela janela. Esse tempo de parques parados não foi benefício nem para as
empresas. O nosso prejuízo não foi só economicamente, mas socialmente”, resume
Azevedo.
Para o vice-presidente do CNI, um dos principais problemas é
a diminuição do emprego e renda que seriam gerados nos pequenos municípios que
abrigam os parques. “Os municípios deixam de recolher imposto pela atividade.
As empresas também deixam de oferecer empregos que seriam gerados na operação
dos parques”, sentencia.
Chesf culpa atraso em licenças e desapropriações
A Chesf não saiu ilesa pelos constantes atrasos. Ainda em
2013, a Aneel editou uma resolução em que suspendia a participação em novos
leilões – de geração e transmissão – de empresas que estivessem atrasadas em
mais de seis obras já contratadas. A Chesf foi suspensa de participar corporativamente, ou
seja, sem parcerias privadas, em novos leilões de transmissão. Além disso,
pelos atrasos na entrega da linha de transmissão do RN, foi penalizada pela
Aneel: deixou de receber R$ 12 milhões do valor estabelecido no contrato
inicial.
A nova previsão é que a LT Extremoz- João Câmara seja
energizada no próximo dia 21. De acordo com o diretor de engenharia e
construção da Chesf, José Ailton de Lima, esta é a única dívida que a companhia
ainda possui com o RN. “A única dívida que temos é com essa linha, que vai
atender uns parquezinhos de 30 MW”, afirma.
O diretor explica que o principal imbróglio na finalização
das obras eram as propriedades privadas do estado. “Tivemos muitos problemas
com proprietários de terra. Na maioria dos casos eles não queriam ter suas
terras ocupadas, pois já tinham outros empreendimentos previstos para a terra.
Outros questionavam o valor das indenizações; como o estado está crescendo,
eles queriam ver suas terras valorizadas.
Na maioria dos casos paramos na Justiça, que demorava ainda
mais para dar os resultados”, justifica. A Chesf – segue o diretor – não
pretende mais investir em pequenas linhas de transmissão no Rio Grande do
Norte. Como a companhia está proibida de participar sozinha dos leilões, a
realização de uma parceria para participar de pequenos empreendimentos não
seria economicamente viável. “Vamos nos abster de participar. Todos gostam de
culpar a Chesf, mas vão ver que o problema não é a companhia.
Qualquer empreendedor privado teria problemas com a Justiça
e os proprietários de terra”, afirma. A Companhia fez um levantamento sobre o
andamento dos empreendimentos de transmissão de energia no Brasil – incluindo
obras de empresas públicas e privadas.
Das 144 obras realizadas até 2009, 57% foram entregues com
atraso. O tempo médio de demora na finalização da obra é de 13 meses. A
previsão é que, nos próximos leilões de geração, o drama das linhas de
transmissão não mais aconteça. Resolução da Aneel do ano passado determinou que
os leilões de transmissão sejam realizados antes dos de geração; além disso,
nenhuma empresa pode cadastrar um projeto nos leilões de geração se não garantir, por conta própria, que tem como escoar
a produção. Ou o investidor constrói a sua própria linha, ou garante que já
existe uma próxima ao local da obra, por onde poderá escoar a produção. Já
existe um leilão de transmissão marcado para 9 de maio, que sustentará os 12
leilões de geração que estão previstos para ocorrerem também este ano.
Questionado sobre os gastos que o governo federal teve com
as eólicas fantasmas, o diretor da Chesf não dissimula. “É claro que o custo
disso tudo vai para o consumidor. Você já viu alguma coisa não ser paga pelo
contribuinte neste país?”, questiona.
FONTE: NOVO JORNAL - Repórter: Nadjara Martins
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