sábado, 7 de maio de 2011

Chuva de bala no país de mossoró!


Chuva de bala! 
Mossoró, RN - JUNHO/2011

Espetáculo – Na parte teatral, destaca-se o espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró. A encenação acontece em palco ao ar livre no adro da Capela de São Vicente e conta a história da resistência do povo de Mossoró ao bando de Lampião. A Gerência de Cultura já definiu 12 apresentações do Chuva de Bala, que este ano estreará dia 9 de junho, às 21 horas.

Em sua 10ª edição, o Chuva de Bala terá a direção do teatrólogo João Marcelino, a exemplo das últimas encenações. O espetáculo será encenado por 60 atores da terra e terá ainda a participação de criança do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), sendo que os ensaios se iniciarão na próxima segunda-feira, dia 2 de maio, às 19h, no Ginásio do Clube Nassau.


Este Belo espetáculo campal relembra um fato histórico e no mês de junho virou uma das atrações turísticas em Mossoró. 




Depois de Natal, segundo consta, Mossoró é a cidade mais importante do Estado do Rio Grande do Norte. Não tem praias exuberantes ou paisagens marítimas de beleza rara, como Natal. Aliás, Mossoró não tem praia. Está próxima às beiradas do sertão, do lado de dentro, região onde em outros tempos existiram trilhas do cangaço.

E, por essas trilhas, no dia 13 de junho de 1927 o bando guerreiro de Lampião tentou tomar Mossoró de assalto. Porém, avisadas com antecedência, as autoridades locais armaram a resistência, com a participação espontânea do povo. E o bando guerreiro foi rechaçado, depois de dura batalha.

Naquele dia, portanto, deu-se ali uma epopéia sertaneja que marcou profundamente a paisagem local e a alma da sua gente. Epopéia que vem sendo celebrada, de 5 anos para cá, através de um espetáculo teatral encenado no mesmo lugar onde se deu o embate guerreiro. Escrita por Tarcísio Gurgel, a peça "Chuva de Bala no País de Mossoró" teve sua primeira montagem dirigida por Antônio Abujamra, que com sorriso provocador iluminou a história desde o ponto de vista de uma grande comédia. Sucesso inconteste.

A saga continuou e esta 5ª edição, apresentada como as anteriores na praça frente à igreja de São Vicente da Bunda Redonda (igreja da “bunda redonda”, não o santo), foi dirigida por João Marcelino, que teve a parceria de Danilo Guanais, na criação musical e regência, e de Clézia Barreto, na coreografia.

O texto lembra o episódio histórico de modo simples e direto, como é próprio a uma obra cênica de natureza narrativa, mas revela algumas reentrâncias curiosas, que quebram a linearidade da fábula, contrapõem ideologias e insinuam a presença do povo, da arraia miúda, entre as duas forças antagônicas: o Poder Constituído, de um lado, os cangaceiros, do outro. E o povo, na verdade, é joguete manipulado e quase sempre vitimado por um ou outro lado.

O Poder Constituído coloca-se de modo claro através do prefeito Rodolfo Fernandes (Marcos Leonardo), símbolo do governo republicano, junto do Padre Mota (Carlos José), representante da Igreja, e do Tenente Laurentino (Renilson Fonseca), que representa a polícia, mas significa coisa maior, como Forças Armadas.

A ponte entre o Poder Constituído e a atividade cangaceira do bando de Lampião (Dionísio do Apodi) é o “coronel” Antônio Gurgel (Cícero Lima), que apesar da patente não é militar e sim latifundiário, representante da Propriedade Privada. Ou do capitalismo caboclo, que dialoga em termos econômicos tanto com os cangaceiros quanto com o Poder Constituído, mostrando para uns e para outros as possíveis vantagens e desvantagens de cada ato que se pratica.

Seqüestrado pelos cangaceiros, o “coronel” tenta o diálogo com seus algozes, mas é forçado a escrever uma carta ao prefeito declarando a vultosa quantia exigida pelos bandidos para libertá-lo e deixar em paz a cidade. O inútil ultimato confirma a informação que o antecedera, dando conta do planejado ataque do bando de Lampião à pacata Mossoró. Imediatamente as autoridades se unem e conclamam o povo a resistir, repelindo os invasores.

Esse enredo, embora conte um episódio real, ocorrido há quase 80 anos nos sertões do Rio Grande do Norte, traz à lembrança outras fábulas com os mesmos ingredientes. Lembra, por exemplo, “Os Sete Samurais” do mestre Akira Kurosawa, que teve versão hollywoodiana, “Sete Homens e Um Destino”, de John Sturges, e conta a história de um povoado à mercê de bandidos. Com o auxílio de profissionais (os samurais de Kurosawa ou os cowboys de Sturges) o povoado consegue triunfar sobre os agressores. Mossoró, todavia, não buscou auxílio externo: conseguiu ali mesmo armar a resistência e... Resistiu.

Pela cartilha dos nossos marxistas, o cangaceiro é um projeto de revolução, como na leitura de Glauber Rocha em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, onde aparece Corisco bradando que “mais fortes são os poderes do povo”. Já o texto “Chuva de Bala no País de Mossoró”, respeitando a memória do fato, apresenta o Poder Constituído como força positiva, enquanto o bando de Lampião é o lado negativo da História.

Impossível ignorar, no entanto, independente da ideologia marxista, a sagração mítica do cangaço, como elemento desestabilizador do status quo, única força a desafiar a “política dos governadores”, que dava poderes plenos aos “coronéis”. Mítica que se insinua no texto de Tarcísio Gurgel e que João Marcelino amplia na encenação, como na cena vigorosa (quem sabe inspirada nas “Troianas”), quando carpideiras lamentam a desumanidade dessa luta que deixa tantas viúvas e tantos órfãos pelos sertões. Ou nos diferentes tons de abordagem e representação crítica dos personagens: há uma cor de terra envolvendo as imagens dos cangaceiros em seu ambiente, como se fossem forças telúricas, formas ainda fundidas na terra seca e nas rochas do sertão; já a elite daquela pequena comunidade sertaneja, que se reuniu em um baile às vésperas do ataque, surge como que flutuando, em meio a vapores e cores luminosas, vestida ao modo e gosto europeu, alienada da realidade onde se move que é de seca, miséria e opressão.

Com a participação de 54 atores, mais 20 atiradores do Tiro de Guerra (que entram apenas para encenar a resistência de Mossoró) e mais 100 crianças de projetos locais de inclusão social, que compõem uma espécie de coro acompanhando as evoluções de Antônia (Tony Silva), a narradora da história, o espetáculo impressiona e atesta a arte do encenador João Marcelino. A cada cena afirma-se a inteligente elaboração do encenador, que une ao drama, organicamente, os movimentos coreográficos de Clézia Barreto e o canto coral regido por Danilo Guanais, resultando manifestação “harmorial”, requintadíssima tanto nos desenhos cênicos quanto na música e na dança. Assim como na desempenho do elenco, com intérpretes no mínimo competentes, que conseguem representar, cantar e dançar. Elenco encabeçado por um núcleo de ótimos atores, defendendo os papéis principais, dando-lhes verdade e brilho.

A encenação deste ano de “Chuva de Bala no País de Mossoró” ganhou relevo épico, não só em razão do tema, mas do tratamento dado a esse tema pelos criadores cênicos. Um espetáculo que a platéia assiste encantada. A multidão reunida na praça acompanha cada sessão do espetáculo com visível prazer. Parece que cada espectador está se reencontrando em sua própria casa, em sua própria história. E esse sentimento aumenta a beleza do espetáculo, transforma-o num ritual, numa celebração.




















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